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Informativo importante => Havia um link maldoso que direcionava o Blog para outro site, e há tempos estou tentando resolver. Consegui!!! Está de volta!!!! ★

sábado, 26 de dezembro de 2009

Natais e mudas de alface (Pe. Fábio de Melo) - O Dia on line


Rio - A manhã chuvosa parecia costurada nos embaraços de uma noite mal dormida. O vulto de mulher prateado pelos raios de um sol recém nascido recolhia do tempo as agruras de saber-se temporário, imperfeito, afeito aos desajustes de um amor que adormeceu, mas que não desaprendera de amanhecer.

Era um corpo de dor, de menstruadas esperanças, de saudades e partos. Corpo de mãe, corpo de cumprir ofício de curar joelhos esfolados, de dar banhos que tinham o poder de lavar corpos e almas num mesmo acontecimento.

Corpo de amamentar filhos que crescem.

Aquela mulher e aquelas manhãs de dezembro. As recordações de seu tempo de menina, pobreza reconhecida, trazida na cara e denunciada pela moldura de olhos que não sabiam mentir.

O plantio programado, compromisso que nem mesmo a dor acontecida nas recentes horas poderia adiar, tinha ares de ritual religioso. A sementeira ao lado, moldada numa caixa de papelão resistente, sobre o canteiro que nasceu de suas mãos pequenas, esperava pela oportunidade de cumprir no tempo o destino de dar continuidade à obra da criação.

Morrer e viver são atos que se conjugam sem pressa.

A mulher sabia de tudo isso. As mudas miúdas também. Dotadas de sabedoria vegetal, cresciam ao seu tempo com a mesma simplicidade que é própria de quem não procura outro destino senão o seu.
Aquela mulher sabia mais. As mudas não mudam.

São sempre as mesmas desde o tempo de sua mãe. Ofício aprendido que se estende no tempo, feito consumação de uma despedida que se cumpre aos poucos, bem aos poucos.

Mudas de alface estão carregadas de sentido. Nelas, prepara-se o futuro que afugenta a fome, traz variações ao modo de carecer.

Recordo-me com saudade. O tempo era de chuvas. Jabuticabeiras explodiam.

Pequenos frutos pendurados em seu corpo de árvore-mãe, tal qual a minha mãe e seus meninos pendurados na cintura, entrelaçados nas pernas e puxando seus braços.

Dezembro tinha cores e histórias diferentes. Vitrines iluminadas, cartões de ocasião sendo preparados pela minha irmã, para que mesmo com simplicidade pudéssemos desejar votos de felicidades.

Presépio sendo retirado da caixa, árvores coloridas de bolas vermelhas, anunciando que nossa pobreza seria ainda mais exposta. Mas não havia problema. Nossa árvore, mesmo tão pobre, já era nossa alegria. As jabuticabeiras nos curavam de tudo...

Minha mãe e sua capacidade de replantar o mundo a partir de mudas de alface era o símbolo mais vivo de nosso Natal. Com seu jeito simples e hábitos rotineiros, ela condensava todas as virtudes que o acontecimento nos sugeria.

“O menino Jesus é quem merece presente neste dia!”, ensinava-nos como se quisesse modificar a ordem do mundo.

E assim acreditávamos.

Nossos presentes eram poucos. Quase nenhum. Só mesmo para não passar em branco, mas o mais importante nós não deixávamos de receber. O sorriso farto, a oração em família, a missa do galo e o nosso Natal já estava completo.

Aquela mulher nos fazia esquecer o que não tínhamos. Transplantava-nos, como fazia com as mudas de alface.
Deixávamos o chão estreito da sementeira e caíamos com nossas raízes nos canteiros fartos da simplicidade que ela sabia construir.
E assim era o nosso Natal.
Um acontecimento para nunca mais esquecer.

Natais e mudas de alface (Pe. Fábio de Melo) - O Dia on line


Rio - A manhã chuvosa parecia costurada nos embaraços de uma noite mal dormida. O vulto de mulher prateado pelos raios de um sol recém nascido recolhia do tempo as agruras de saber-se temporário, imperfeito, afeito aos desajustes de um amor que adormeceu, mas que não desaprendera de amanhecer.

Era um corpo de dor, de menstruadas esperanças, de saudades e partos. Corpo de mãe, corpo de cumprir ofício de curar joelhos esfolados, de dar banhos que tinham o poder de lavar corpos e almas num mesmo acontecimento.

Corpo de amamentar filhos que crescem.

Aquela mulher e aquelas manhãs de dezembro. As recordações de seu tempo de menina, pobreza reconhecida, trazida na cara e denunciada pela moldura de olhos que não sabiam mentir.

O plantio programado, compromisso que nem mesmo a dor acontecida nas recentes horas poderia adiar, tinha ares de ritual religioso. A sementeira ao lado, moldada numa caixa de papelão resistente, sobre o canteiro que nasceu de suas mãos pequenas, esperava pela oportunidade de cumprir no tempo o destino de dar continuidade à obra da criação.

Morrer e viver são atos que se conjugam sem pressa.

A mulher sabia de tudo isso. As mudas miúdas também. Dotadas de sabedoria vegetal, cresciam ao seu tempo com a mesma simplicidade que é própria de quem não procura outro destino senão o seu.
Aquela mulher sabia mais. As mudas não mudam.

São sempre as mesmas desde o tempo de sua mãe. Ofício aprendido que se estende no tempo, feito consumação de uma despedida que se cumpre aos poucos, bem aos poucos.

Mudas de alface estão carregadas de sentido. Nelas, prepara-se o futuro que afugenta a fome, traz variações ao modo de carecer.

Recordo-me com saudade. O tempo era de chuvas. Jabuticabeiras explodiam.

Pequenos frutos pendurados em seu corpo de árvore-mãe, tal qual a minha mãe e seus meninos pendurados na cintura, entrelaçados nas pernas e puxando seus braços.

Dezembro tinha cores e histórias diferentes. Vitrines iluminadas, cartões de ocasião sendo preparados pela minha irmã, para que mesmo com simplicidade pudéssemos desejar votos de felicidades.

Presépio sendo retirado da caixa, árvores coloridas de bolas vermelhas, anunciando que nossa pobreza seria ainda mais exposta. Mas não havia problema. Nossa árvore, mesmo tão pobre, já era nossa alegria. As jabuticabeiras nos curavam de tudo...

Minha mãe e sua capacidade de replantar o mundo a partir de mudas de alface era o símbolo mais vivo de nosso Natal. Com seu jeito simples e hábitos rotineiros, ela condensava todas as virtudes que o acontecimento nos sugeria.

“O menino Jesus é quem merece presente neste dia!”, ensinava-nos como se quisesse modificar a ordem do mundo.

E assim acreditávamos.

Nossos presentes eram poucos. Quase nenhum. Só mesmo para não passar em branco, mas o mais importante nós não deixávamos de receber. O sorriso farto, a oração em família, a missa do galo e o nosso Natal já estava completo.

Aquela mulher nos fazia esquecer o que não tínhamos. Transplantava-nos, como fazia com as mudas de alface.
Deixávamos o chão estreito da sementeira e caíamos com nossas raízes nos canteiros fartos da simplicidade que ela sabia construir.
E assim era o nosso Natal.
Um acontecimento para nunca mais esquecer.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Ilumine o ano de 2010 !

Recebi um e-mail de uma amiga pra lá de especial e achei magnífico, e partilhar é a melhor forma de deixar de ser  um, e passar a ser mais um.

A coerência de que não podemos mudar o mundo sozinho tem que ser estrutura, para sermos mais um. O meu pouco somado a tantos outros será muito. Há um lema até então aparentemente simples, mas repleto de significado, onde a força do amor é a propulsão da partilha. “Juntos somos mais”.

Parabenizo os responsáveis da Asterisco21 pelos Dons de criação e agradeço o carinho e atenção dedicado no pronto retorno me concedendo a oportunidade de postar essa mensagem tão linda no Blog.

"O sucesso dessa campanha se deve principalmente a isso: compartilhar. Aliás, a palavra "compartilhar" é algo que podemos passar adiante no próximo ano"(Fernando A.- Asterisco21).

Que nossos corações se fortaleçam na partilha para que possamos ser portadores dessa luz.
Ilumine o ano de 2010 !

Ilumine o ano de 2010 !

Recebi um e-mail de uma amiga pra lá de especial e achei magnífico, e partilhar é a melhor forma de deixar de ser  um, e passar a ser mais um.

A coerência de que não podemos mudar o mundo sozinho tem que ser estrutura, para sermos mais um. O meu pouco somado a tantos outros será muito. Há um lema até então aparentemente simples, mas repleto de significado, onde a força do amor é a propulsão da partilha. “Juntos somos mais”.

Parabenizo os responsáveis da Asterisco21 pelos Dons de criação e agradeço o carinho e atenção dedicado no pronto retorno me concedendo a oportunidade de postar essa mensagem tão linda no Blog.

"O sucesso dessa campanha se deve principalmente a isso: compartilhar. Aliás, a palavra "compartilhar" é algo que podemos passar adiante no próximo ano"(Fernando A.- Asterisco21).

Que nossos corações se fortaleçam na partilha para que possamos ser portadores dessa luz.
Ilumine o ano de 2010 !

domingo, 20 de dezembro de 2009

Padre Fábio de Melo: Viva Lucinha Araújo

Padre Fábio de Melo: Viva Lucinha Araújo

20.12.09 às 00h46

 Conheci de perto a Sociedade Viva Cazuza, iniciativa já conhecida e liderada por Lucinha Araujo, mãe do poeta que deu nome à casa que abriga crianças portadoras do vírus HIV.

Andando pela estrutura, gentilmente acompanhado por Cristina, uma das lideranças que Lucinha trouxe para o trabalho, pude experimentar um sentimento bom que me fez concluir: o mundo tem jeito! Não há pessimismo humano que sobreviva a uma visita àquele lugar.

O aspecto é de casa. Em nada podemos reconhecer o molde tradicional que prevalece em instituições de caridade. As paredes são vivas, cheias de detalhes que pertencem à vida daqueles que ali moram. Ursinhos, bandeiras do Flamengo, bonecas, pôsteres de artistas consagrados, tudo nos sugere que as crianças são consideradas em suas particularidades. O espaço público se esforça para ser também particular. Jeito simples de permitir que a criança não se sinta perdida no mundo, já que há uma orfandade inegável, comprovada, documentada, mas que felizmente não alcança a vida prática.

Os agentes dessa proeza são muitos. São funcionários, voluntários, artistas, amigos que conhecem a luta diária para que o espaço não feche as portas. Gente que se empresta em generosa participação, manutenção de um sonho nobre. Sonho que nasceu da dor de perder um filho, momento em que a vida foi dissonante na pauta, tornando o canto triste, solitário, quase insuportável.

A sociedade é uma reação criativa da mulher que tem rosto conhecido. Ficou definitivamente imortalizada no filme que narrou a trajetória do seu filho, o controverso Cazuza.

Lucinha Araujo é portadora de um sorriso bonito, marcado por uma timidez enganosa. Ela é destemida. Descobriu na solidariedade o instrumental que precisava para superar a perda do filho único. Viveu um parto às avessas. Ao sepultar o seu principal vínculo com o mundo, apressou-se em ressuscitá-lo através de uma iniciativa que é muito mais que paredes de tijolos.

O espaço criado por ela é fortemente marcado pela vida de seu filho. Justa forma de manter-se presa ao motivo inicial. E nisso está a diferença. Através da Sociedade, Lucinha traz Cazuza de volta ao mundo. Mas com uma diferença. Sem drogas e sem Aids.

Através daquelas crianças, Lucinha retira o filho da morte, corrige o passado, reconcilia-se com sua dor, volta a ser feliz. Interfere no processo humano de pessoas que até então não faziam parte de seu mundo, de seu contexto, de seu horizonte de sentido. A sua luta não se limita ao cuidado primoroso que tem com as crianças que são vítimas desta herança cruel. É preciso ir além. É preciso alcançar a causa que gera o problema, mediante campanhas que conscientizem que a disseminação do vírus ainda é um problema social grave.

É o retorno do poeta. Ele não morreu. Retorna sem seus exageros, sem seus abandonos, sem suas misérias. Retorna iluminado pela atitude materna que o redime.

A Sociedade tem precisado de ajuda. Precisa de coisas simples. Remédios, alimentos, roupas, serviços. Precisa de tudo o que faz parte do cotidiano de uma criança. Mobilize-se para ajudar.

Ao divulgar pelo twitter a minha visita à Sociedade, pessoas do Brasil inteiro manifestaram o carinho e respeito à Instituição. Mas no mesmo dia, alguém fez questão de encaminhar um email preconceituoso, falando absurdos do poeta. Minha resposta foi simples, e aqui a reproduzo: ” A mim não interessa o que Cazuza fez ou deixou de fazer de sua vida. A mim interessa é o que sua mãe fez e faz a partir de sua morte.” Por isso eu digo: Viva Lucinha Araujo!

Padre Fábio de Melo: Viva Lucinha Araújo

Padre Fábio de Melo: Viva Lucinha Araújo

20.12.09 às 00h46

 Conheci de perto a Sociedade Viva Cazuza, iniciativa já conhecida e liderada por Lucinha Araujo, mãe do poeta que deu nome à casa que abriga crianças portadoras do vírus HIV.

Andando pela estrutura, gentilmente acompanhado por Cristina, uma das lideranças que Lucinha trouxe para o trabalho, pude experimentar um sentimento bom que me fez concluir: o mundo tem jeito! Não há pessimismo humano que sobreviva a uma visita àquele lugar.

O aspecto é de casa. Em nada podemos reconhecer o molde tradicional que prevalece em instituições de caridade. As paredes são vivas, cheias de detalhes que pertencem à vida daqueles que ali moram. Ursinhos, bandeiras do Flamengo, bonecas, pôsteres de artistas consagrados, tudo nos sugere que as crianças são consideradas em suas particularidades. O espaço público se esforça para ser também particular. Jeito simples de permitir que a criança não se sinta perdida no mundo, já que há uma orfandade inegável, comprovada, documentada, mas que felizmente não alcança a vida prática.

Os agentes dessa proeza são muitos. São funcionários, voluntários, artistas, amigos que conhecem a luta diária para que o espaço não feche as portas. Gente que se empresta em generosa participação, manutenção de um sonho nobre. Sonho que nasceu da dor de perder um filho, momento em que a vida foi dissonante na pauta, tornando o canto triste, solitário, quase insuportável.

A sociedade é uma reação criativa da mulher que tem rosto conhecido. Ficou definitivamente imortalizada no filme que narrou a trajetória do seu filho, o controverso Cazuza.

Lucinha Araujo é portadora de um sorriso bonito, marcado por uma timidez enganosa. Ela é destemida. Descobriu na solidariedade o instrumental que precisava para superar a perda do filho único. Viveu um parto às avessas. Ao sepultar o seu principal vínculo com o mundo, apressou-se em ressuscitá-lo através de uma iniciativa que é muito mais que paredes de tijolos.

O espaço criado por ela é fortemente marcado pela vida de seu filho. Justa forma de manter-se presa ao motivo inicial. E nisso está a diferença. Através da Sociedade, Lucinha traz Cazuza de volta ao mundo. Mas com uma diferença. Sem drogas e sem Aids.

Através daquelas crianças, Lucinha retira o filho da morte, corrige o passado, reconcilia-se com sua dor, volta a ser feliz. Interfere no processo humano de pessoas que até então não faziam parte de seu mundo, de seu contexto, de seu horizonte de sentido. A sua luta não se limita ao cuidado primoroso que tem com as crianças que são vítimas desta herança cruel. É preciso ir além. É preciso alcançar a causa que gera o problema, mediante campanhas que conscientizem que a disseminação do vírus ainda é um problema social grave.

É o retorno do poeta. Ele não morreu. Retorna sem seus exageros, sem seus abandonos, sem suas misérias. Retorna iluminado pela atitude materna que o redime.

A Sociedade tem precisado de ajuda. Precisa de coisas simples. Remédios, alimentos, roupas, serviços. Precisa de tudo o que faz parte do cotidiano de uma criança. Mobilize-se para ajudar.

Ao divulgar pelo twitter a minha visita à Sociedade, pessoas do Brasil inteiro manifestaram o carinho e respeito à Instituição. Mas no mesmo dia, alguém fez questão de encaminhar um email preconceituoso, falando absurdos do poeta. Minha resposta foi simples, e aqui a reproduzo: ” A mim não interessa o que Cazuza fez ou deixou de fazer de sua vida. A mim interessa é o que sua mãe fez e faz a partir de sua morte.” Por isso eu digo: Viva Lucinha Araujo!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Agradeço à todos os 60.000 acessos.


Agradeço à todos os 60.000 acessos.


terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Show Eu e o Tempo - no Hosana Brasil 2009

Música Humano demais no Hosana Brasil,
com imagens  de Jesus no telão. Um momento lindo, que precisa ser partilhado, mesmo que  breve e um pouco tremido devido a emoção.




Show Eu e o Tempo - no Hosana Brasil 2009

Música Humano demais no Hosana Brasil,
com imagens  de Jesus no telão. Um momento lindo, que precisa ser partilhado, mesmo que  breve e um pouco tremido devido a emoção.




domingo, 13 de dezembro de 2009

O Dia on line - Padre Fábio de Melo: A fé que nasce do medo

A fé que nasce do medo
12.12.09 às 23h45


Rio - Já tive medo de Deus. Inúmeras vezes. Nos tempos da infância ouvi dizer que Ele tinha olhos imensos que não nos perdiam de vista. A frase servia como alerta. Ficava de olho nos deslizes cometidos pela humanidade. Os castigos provinham dessa observância. Isso me fez perder a espontaneidade de errar. O erro, processo natural da condição humana, tornou-se motivo de culpas e autopunições. Levei tempo para reconsiderar o ensinamento. A responsável pela reconstrução foi minha mãe.

Mesmo não tendo frequentado faculdade de Teologia, ela me fez compreender de maneira diferente o tamanho dos olhos divinos. Eles são grandes porque amam. Para que você se sinta protegido por eles, disse-me com simplicidade, sem rodeios.

A frase de minha mãe repercutiu dentro de mim. Foi a partir dela que eu tive a graça de compreender que vigilância também é amor. Ela me deu oportunidade de iniciar um processo de reconciliação interior, cujo fruto eu ainda não colhi na totalidade, pois pertence ao processo da vida toda. Aprendizado que propõe uma antropologia positiva, otimista, capaz de ver esperanças no coração humano, mesmo sabendo que ele é território de contradições.

Mais tarde, depois de ter tido a graça de conhecer a escrita vigorosa da mineira Adélia Prado, tive contato com um verso surpreendente que está no seu poema “Filhinha”. O verso é religioso. Parece fazer parte de um processo de reconstrução da imagem divina. A autora diz: “Deus não é severo mais. Suas rugas, sua boca vincada são marcas de expressão de tanto sorrir pra mim.”

Fiquei comovido com a singeleza da confissão. Revela uma ousadia na compreensão do Sagrado. Uma mística irreverente, capaz de rasgar o véu do templo, mas sem promover a banalização do espaço. O verso é boa nova, pois é anúncio de uma descoberta pessoal que tem o poder de mudar a interpretação que a poetisa faz de si mesma. Ela também deve ter crescido sob a égide de um discurso religioso fortemente marcado pelas ameaças de vigilância e punições.

É bem provável que Adélia tenha sido vítima das consequências desastrosas do discurso que ensina o amor a Deus a partir do medo. É estranho, mas a instrumentalização do medo sempre fez parte do contexto das religiões. É um recurso simples. Gera efeito rápido, obediência. Mas não é recurso eficaz.

O medo paralisa, impede a reflexão. Religião que não faz refletir pode ser nociva. A obediência cega não costuma fomentar valores consistentes. Limita-se a ser a reprodução de um comportamento que deixará de ser considerado, no momento em que cessar a vigilância. Religião pode nos fazer amadurecer, mas pode também nos infantilizar. Depende da Antropologia que sustenta a reflexão humana. Depende da Teologia que viabiliza a Revelação divina. É neste ponto que as estradas se encontram. A interpretação que fazemos de Deus reflete diretamente na interpretação que fazemos de nós mesmos.